quinta-feira, 24 de julho de 2014

OS COLONOS

Lá vem o dia apontando...
Que afã ! Já todos de pé !
Ruidosos, tagarelando,
Vão os colonos em bando
Para os talhões de café.

À luz do sol que amanhece,
Por montes, por barrocais,
Por toda parte esplandece,
Com sua explêndida messe,
O verde dos cafezais !

Começa o rude trabalho.
Que faina honrada e feliz !
Inda molhada de orvalho,
Flamejam em cada galho,
Os bagos como rubis.

Trabalham. Que ardor de mouro !
Todos derriçam café.
Parece um rubro tesouro,
Que cai numa chuva de ouro,
Dos ramos de cada pé.

Ao meio dia, aos ardores
Do alto sol canicular,
Os rudes trabalhadores,
Ao longo dos corredores,
Põem-se todos a cantar.

Pela dormência dos ares,
Sob estes céus cor-de-anil,
Cantam canções populares,
Que lá dos seus velhos lares,
Trouxeram para o Brasil.

Aqui, um forte italiano,
Queimado ao sol do equador,
Solta aos ventos, belo e ufano,
Num timbre napolitano,
A sua voz de tenor !

Há uma terna singeleza
Nas trovas que outro diz;
Um rapagão de Veneza
Tem, no seu canto, a tristeza
Das águas do seu país.

E uma sanguínea espanhola,
De grandes olhos fatais,
Em baixa voz cantarola
Uns quebros de barcarola,
Magoados, sentimentais...

Que cantem !... Essa cantiga,
Brotada do coração,
Seja a prece que bendiga
A terra que hoje os abriga,
A pátria que lhes dá o pão.


(Alma Cabocla)

A Marquesa de Santos


quarta-feira, 23 de julho de 2014

O Sonho das Esmeraldas


A FORASTEIRA

Dissera-me o barbeiro da vilota,
Que essa elegante, essa gentil devota,
Que frequentava assim as ladainhas,
Também quisera, em busca de bons ares,
Passar o mês das férias escolares,
Na mesma terra onde eu passava as minhas.

E ali, na vila, nessa pobre aldeia,
Tão incolor, tão rústica, tão feia,
Povoada de caboclos indigentes,
A forasteira, com seu ar touriste,
Com seu chapéu de plumas, com seu chiste,
Chocava o povo e deslumbrava as gentes!

E eu, que vivia a padecer nesse ermo,
A definhar-me, torturado e enfermo,
Nas nostalgias dessa vila odiosa,
Eu bem sentia, ao ver essa estrangeira,
Que na minh'alma, pela vez primeira,
Brotara a flor duma paixão furiosa...

terça-feira, 22 de julho de 2014

A Marquesa de Santos


DESPEDIDA

Com que desdém, quando partiste,
Tu me fitaste e eu te fitei!
Olhamo-nos ... Sorri. Sorriste.
E ali, sem uma frase triste,
Tu me abraçaste e eu te abracei.
Que frio adeus! Que despedida!
Nem te mostraste comovida,
Nem comovido eu me mostrei...

Sem um soluço, sem um pranto,
Tu me deixaste e eu te deixei ...
Mas hoje vemos com que espanto!
Que nunca tu choraste tanto,
Que tanto assim nunca chorei,
Como nesse áspero minuto,
Em que a sorrir ... de olhar enxuto,
Tu me abraçaste e eu te abracei!

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Canção

Versos de Paulo Setúbal
Música de Marcello Tupynambá

Fosse eu um pobre, um trôpego ceguinho
Na vida errante a caminhar
Na vida errante a caminhar
Sem um bordão pelo caminho
Sem um rapaz a me guiar

Fosse eu privado pela sorte
A nunca de ver o céu, de ver o mar,
E nunca houvesse eu visto nunca
Tua beleza singular

Que certamente eu não teria tanto
Com tanto fel tanto pesar
Com tanto fel tanto pesar
Meu coração lavado em pranto
Lavado o meu olhar

Marcello Tupynambá - Canção (letra de Paulo Setúbal e interpretação de Raíssa Bisinoto e Alexandre Dias)


Gilberta, aos 88 anos, declamando uma poesia de Paulo Setúbal. Enviado em 01/11/2010



Vida em Poesia - Paulo Setúbal

Os Irmãos Leme


SONETO

Vendo-a passar assim, tão meiga e pura,
Cheia de graça, tímida e singela,
Cuidai que essa criança doce e bela
É a candidez tornada criatura?

Andais assim tão recatado ao vê-la
Que esses olhos de esplêndida negrura
Macios como asas de gazela,
Nunca arderam de amor e de ventura.

No entanto, vendo às tardes, essa diva,
Vendo essa deusa triste e pensativa,
Brincar com os seus cabelos anelados,

Sabeis o que faz essa criatura linda?
Revolve as cinzas, tépidas ainda,
De um rosário de ardente namorados.

domingo, 20 de julho de 2014

Paulo Setúbal: Romancista e Poeta - Encontros

Enviado em 09/03/2009 Trecho do documentário de Roberto Moreira que registra a vida e a obra do escritor Paulo Setúbal. Faz parte da série de DVDs Encontros do Itaú Cultural sobre artistas e outras personalidades da história do Brasil.

Paulo Setúbal


Discurso de Posse na Academia Brasileira de Letras

DISCURSO DO SR. PAULO SETÚBAL


SENHOR Presidente,
Senhores Acadêmicos,

Para mim, que sempre vivi e escrevi no meu Estado natal, longe do fanfarreio gritante das gazetas e das rodas literárias da metrópole, não podia suceder paga maior do que a paga que me concedestes: ser galardoado com a mercê, alta e insigne, de membro da Academia Brasileira de Letras. Esta noite, portanto, senhores Acadêmicos, em que me abris festivamente o pórtico da Casa de Machado de Assis, o pórtico de vossa casa, isto é, da casa em que mora a mais nobre e a mais alevantada intelectualidade do país, esta noite, quero acentuá-lo prazerosamente aqui – é a grande noite fulgurante da minha desvaidosa carreira de letras. Não sei se foi, apertadamente, na vossa justiça, ou, complacentemente, na vossa generosidade, que vós decidistes dar-ma. Sei apenas que, assim o decidindo, vós me coroastes com as vossas mãos consagradoras; e eu vos agradeço, senhores Acadêmicos, eu vos agradeço aqui, no limiar desta festa, essa coroa de louros tão envaidecedora, com que premiastes o escritor da província.

Mas deixai também, meus Senhores, nesta linda hora risonha, em que as emoções mais íntimas se atropelam dentro de mim, deixai que, mal acabe de vos agradecer, eu me ausente precipitado destas galas. Sim, deixai que meu coração voe para longe daqui, fuja para a minha estremecida cidade de São Paulo, e lá, comovido e respeitoso, penetre por um momento, muito de manso, numa casa modesta de bairro sem luxo. Nessa casa, a estas horas, nesta mesma noite, está uma velha toda branca, oitenta anos, corcovada, com o seu rosário de contas já gastas, a rezar diante da Virgem pelo filho acadêmico. Pelo filho que ela, a viúva corajosa, ramo desajudado, mas altaneiro, de família opulenta, criou, educou, fez homem – Deus sabe com que sacrifícios e com que ingentes heroísmos obscuros! Deixai pois, senhores Acadêmicos, que o meu coração voe para a casa modesta do bairro sem luxo, entre o quarto do oratório, ajoelhe-se diante da velha branquinha, beije-lhe as mãos, e, na brilhante noite engalanada deste triunfo, diga-lhe por entre lágrimas:

– Minha mãe, Deus lhe pague!

Bibliografia

Obras: Alma cabocla, poesia (1920); A marquesa de Santos, romance-histórico (1925); O príncipe de Nassau, romance histórico (1926); As maluquices do Imperador, contos-históricos (1927); Nos bastidores da história, contos (1928); O ouro de Cuiabá, história (1933); Os irmãos Leme, romance (1933); El-dourado, história (1934); O romance da prata, história (1935); O sonho das esmeraldas (1935); Um sarau no Paço de São Cristóvão, teatro (1936); A fé na formação da nacionalidade, ensaio (1936); Confíteor, memórias (1937).

À MINHA MÃE

(No dia de seus anos)

Eu, minha Mãe, que neste mundo inteiro,
Colhi somente venenosas flores,
Quero, ao teu lado, amigo e verdadeiro,
Seguir-te os passos, mitigar-te as dores.

Quero dormir meu sono derradeiro,
Na mesma campa em que dormir tu fores,
Ser teu leal, teu certo companheiro
Nesse país de sombras e pavores ...

É que eu, oh minha Mãe e meu carinho,
Bendigo a mão que em minha estrada planta
Fundos pesares do mais fundo espinho.

Só por sentir que me perfuma e encanta,
— Única rosa aberta em meu caminho
— O teu amor de Mãe piedosa e Santa!

Paulo Setúbal (por Antonio Miranda)

Paulo Setúbal - Academia Brasileira de Letras

Paulo Setúbal


Biblioteca Paulo Setúbal - Temática em Literatura Policial

Biblioteca Paulo Setúbal, São Paulo (SP)

Dedicatória