terça-feira, 26 de novembro de 2019

O Brasil nunca leu tanto (Raimundo Carrero)

Raimundo Carrero (*)


No princípio era apenas um livrinho chamado Português, quem sabe um dicionário e, com alguma sorte, uma gramática. Entre uma regra gramatical e outra um poema, quase sempre de Olavo Bilac, mais alguma coisa - conto ou crônica -, Raimundo Correia, talvez um parnasiano, e, é possível, um tanto de Machado de Assis da primeira fase, nem sempre o melhor. Estudava-se gramática, a literatura passava ao largo. Chamavam isso de leitura.

Mesmo assim, quem quisesse ler mais procurasse em alguma biblioteca interdita, livraria nem pensar. Jornal dependia muito da família, revista só com a autorização da família. Em certo canto escondido da sala, embaixo de sete chaves, um talvez Tesouro da Juventude, cheio de textos conservadores e tradicionalistas, destinado aos homens. Para as mulheres, exclusivamente, um texto de M. Delly, descoberta de norte-americanos para meninas que não desejassem nem sonhassem.

Imaginava-se que este este era o pseudônimo de uma religiosa ou educadora nem um pouco disposta e se apresentar, corria o risco de linchamento. Descobriu-se depois que era um casal de franceses disposto a vencer o puritanismo norte-americano. Os livros precisavam sempre de autorização da Igreja, do imprimatur de um cônego ou de um monsenhor. Literatura era coisa de depravados. Por isso mesmo as mulheres demoraram muito a se alfabetizar. Precisavam de autorização.

De minha parte tive muita sorte. Até os 12 anos pude ler, abertamente, os livros da biblioteca do meu irmão Francisco, que encontrei na loja do meu pai Raimundo Carreiro de Barros, em Salgueiro. Depois encontrei a biblioteca do meu irmão Geraldo, em casa de quem morei dois anos, quando saí do internato do Colégio Salesiano. E tem mais: nunca ninguém me proibiu de ler qualquer coisa. Li o que quis, sempre. Indiscriminadamente.

Muitas vezes saí correndo do colégio até a Rua da Imperatriz para comprar livros de Jorge Amado, Paulo Setúbal ou Graciliano Ramos. A nossa Rua da Imperatriz tinha três livrarias, além dos sebos, verdadeira instituição recifense, instalados no chão. Livros, livros e livros espalhados às pencas no centro da cidade, nas décadas de 60 , 70 e 80. A cidade começava a ler com vigor até hoje. Agora todos os colégios adotam livros de várias tendências e cores, desde os chamados infanto-juvenis até os mais sofisticados.

Os autores percorrem o país debatendo, analisando e questionando os estudante, com grandes resultados. Até o momento não existe censura de qualquer espécies e todos estão preparados para qualquer reflexão. E a literatura cresce com os prêmios internacionais. Até autores vivem da venda de livros.

* Jornalista e membro da Academia Pernambucana de Letras

Nenhum comentário:

Postar um comentário