JOSÉ RENATO NALINI 14/10/2018
Tristão de Athayde, pseudônimo de Alceu Amoroso Lima, foi um dos intelectuais mais completos que o Brasil já produziu. Começou a escrever como crítico literário, atividade que considerava alicerçada em um corpo de princípios, de uma concepção da vida, da arte e da literatura, em caráter docente.
Pois o crítico é um incentivador à leitura. Seu gosto, sensibilidade, emoção e espírito criador o vocacionam a gerar uma legião de leitores.
Uma das críticas de Tristão foi escrita em 1920 sobre o livro “Alma Cabocla”, de Paulo Setúbal. Encontra na poesia de Paulo Setúbal a emoção nesse momento impressionante em que ela se desprende da natureza, do cotidiano, do prosaísmo, para iniciar o seu caminho de arte.
Elogia a aproximação com a natureza, o amor à terra como dado essencial de uma poesia de claridade sedutora, de verdade cristalina, o amor à terra como paisagem.
Reproduz parte da produção de Setúbal:
“Tudo me entrista e punge nestas terras!
Os mesmos cafezais, as mesmas serras
E a mesma casa antiga da fazenda
Que outrora viu, quando éramos meninos
Nossos amores, nossos desatinos
Toda essa história já desfeita em lenda!
…
Era dezembro… Florescia o milho
Verde e glorioso como o nosso idílio…
Que lindas roças! Que estação aquela!
Toda a velha fazenda parecia
Com sua larga e rústica alegria
Mais cheia de aves, mais ruidosa e bela”!
Amoroso Lima saúda a chegada do “jovem poeta” e admira o caráter do sentimento da poesia, elaborada no momento em que a representação se substitui à sensação, para provar que a poesia não é mero sentimento, no estado puro, mas elaborado.
Ao rever a obra em 1947, Tristão anota: “Como são frágeis os vaticínios! Nunca mais ouvi falar desse poeta! Terá falecido? Terá silenciado? Terá sido tragado pelo cotidiano? Como tudo é melancólico e irônico!.
Paulo Setúbal continuou a escrever e enveredou-se por romances históricos. Integrou a Academia Paulista de Letras. Mas é verdade que poderia ser lembrado por sua poesia e por sua obra intelectual.
A vida é breve e mais curta ainda a memória dos pósteros, que só se preocupam com aquilo que mais lhes interessa de imediato e não têm tempo para o cultivo dos mortos ou para passear pela memória.
JOSÉ RENATO NALINI é reitor da Uniregistral, docente universitário, palestrante e autor de “Ética Geral e Profissional”, 13ª ed. – RT-Thomson
JOSÉ RENATO NALINI
Do site jj.com.br
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